terça-feira, novembro 29, 2005

Memória das minhas putas tristes (3)

A menina dormiu toda a noite.

"Quando voltei fresco e vestido ao quarto de dormir, a menina dormia de barriga para cima à luz conciliadora do amanhecer, atravessada de um lado a outro da cama, com os braços abertos em cruz e senhora absoluta da sua virgindade. Que Dues ta guarde, disse-lhe." (p. 32)

Não cometo o erro de contar o resto da história....não vou falar dos outros encontros do narrador com a menina. Apenas deixo um excerto da pag.63.

"Desde então tive-a na minha memória com tal nitidez que fazia dela o que queria. Mudava-lhe a cor dos olhos conforme o meu estado de espírito: cor de água ao despertar, cor de calda de açúcar quando ria, cor de lume quando a contrariava. Vestia-a de acordo com a idade e a condição que convinham às minhas mudanças de humor: noviça apaixonada aos vinte anos, puta de salão aos quarenta, rainha da babilónia aos setenta, santa aos cem. Cantávamos duetos de amor de Puccini, boleros de Agustin Lara, tangos de Carlos Gardel, e verificávamos uma vez mais que os que não cantam não podem sequer imaginar o que é a felicidade de cantar. Hoje sei que não foi uma alucinação mas um milagre mais do primeiro amor da minha vida aos noventa anos."

Li todo o livro na mesma manhã em que decidi lê-lo. É Gabriel García Marquez, não são necessárias mais palavras. Para quê?