domingo, dezembro 18, 2005

Outra vez Dona Inês. Nostálgica.

Voltei a "Dona Inês contra o Esquecimento" e passaram dois séculos, na sucessão de acontecimentos que vão compondo a história da Venezuela. Por entre generais e revoluções, terramotos e desgraças, em que sempre está envolvido algum descendente ou conhecido da família de Dona Inês, vamos acompanhando o desenvolvimento do lugarejo chamado Caracas do início do livro até à cidade do século XX. Dona Inês, a morta, continua a falar com o marido morto, e dá-lhe raspanetes, repreendendo-o pela sua ingenuidade ou ignorância. Os terrenos de Dona Inês foram expropriados. A casa onde viveram várias gerações acabou no chão, por força do progresso.

No capítulo intitulado "Léon Bemdelac descobre a América (1926-1935)", ficamos a conhecer um turco, ourives de profissão, que chegou à Venezuela sem nada, para começar um negócio, fixando-se na pequena Barcelona, antes de decidir mudar para Caracas. Compra um burro e torna-se vendedor ambulante. Quando as pessoas ouviam o badalo que tinha posto na testa do burro, gritavam: "Aí vem o turco Vendelá - e cumprimentavam-no com simpatia e perguntavam-lhe - Vendelá, que trazes aí para vender, Vendelá?"
"Léon Bendelac imaginava Caracas como uma imensa urbe onde se via completamente perdido. Além disso, o cheiro do mar reconfortava-o, a neblina do amanhecer e a brisa entre as palmeiras traziam-lhe, por vezes, um gesto familiar muito breve, mas suficiente para o acompanhar na sua solidão." (p.172)

(Faço uma pequena pausa. Fecho o livro por instantes, marcando a página com a mão, e penso que é este o efeito do mar em mim. O mar reconforta-me, sempre. O mar acompanha-me na minha solidão.)

Leio rápido, chego à terceira parte (1935 - 1985) e inicio o capítulo "Dona Inês Nostálgica":

"Morreu o General Gomez, Alejandro, a morte mais dificil da nossa história. (....) Choraram-no os seus cento e dezassete filhos e as suas vinte e três mulheres, choraram-no os seus dez mil cavalos e as suas cinquenta mil vacas, choraram-no as suas dezoito fazendas e os seus trinta e dois rebanhos, mas não o chorou mais ninguém, porque quando toda a gente teve a certeza que tinha morrido, declararam-no ditador e tiraram-lhe o título de benemérito. (p.199)