Os Demónios à Minha Porta, José Manuel Fajardo

"Estava parado diante da porta da minha tumba. Tinha a respiração agitada porque há muito que caminhava, mas não estava cansado. Simplesmente não queria recordar mais. Perguntava a mim próprio por que não vinham agora os meus demónios interromper-me, por que não se abria a portinhola do postigo como em tantas outras ocasiões e entrava por ela o medo, resgatando-me da memória. Por uma vez seria bem recebido. Mas não aconteceu nada. O silêncio era apenas perturbado pelo som da minha respiração e pelo assobio que, desde há alguns dias, ressoava de vez em quando nos meus ouvidos, como se fosse a música da minha angústia. Aproximei-me da porta e encostei a orelha á madeira. Ao princípio não ouvia nada. Depois, julguei ouvir os latidos longínquos de um cão, quase imperceptíveis, que pareciam vir do centro da Terra, como se fosse o próprio Cérbero ladrando à entrada dos Infernos. Seria outra ilusão dos meus ouvidos? Os latidos cessaram e, novamente, não se ouvia mais do que o som dos meus obstinados pulmões, empenhados em manter-me vivo apesar de me encontrar no reino dos mortos. O ligeiro ranger de um objecto a ser deslocado sobressaltou-me. Ouvira-o com toda a nitidez, no outro lado da porta. " (Cap. 9, pag. 139)